Olá, sou a Wang Xiaoyan! Sou uma voluntária da China e estive na Fundação Lar de Cegos de Nossa Senhora da Saúde durante um mês.
Alojei-me na casa da Srª Fernanda, que também frequenta a Fundação em centro de dia. Ela tem 92 anos e mantém uma vida muito ativa. Passei um mês incrível com pessoas incríveis.
A China é um país com uma história muito longa, mas o seu desenvolvimento moderno começou mais tarde do que em Portugal. Por isso, na China o problema do envelhecimento não é tão grave como em Portugal.
Quanto à minha família, o meu avô tem 86 anos e a minha avó tem 83 anos. Vivem na sua própria casa e não gostariam de ter que ir para um lar. Eu nunca prestei atenção à situação dos lares na China. Não sabia nada sobre o preço, os serviços, nem a opinião das pessoas sobre os lares. Sempre gostei de ser voluntária num lar, mas nunca o fiz. Mas, desta vez, durante o mês que estive com estas queridas pessoas na Fundação, tive a oportunidade de obter mais conhecimentos e consciencialização sobre o envelhecimento de um país e a situação de um lar.
Na realidade, basicamente não tive muito trabalho para fazer, porque não tinha experiência profissional para ajudar as pessoas com muita idade, mas a principal razão é porque a Fundação já tem um sistema completo e eficaz de serviços.
Geralmente acompanhava “os avôs e as avós” quando pintavam e liam, quando queriam falar com alguém. Inicialmente, embora eu tivesse estudado um pouco de português, quase não entendia nada. Mas com o tempo, com a ajuda das pessoas e os conhecimentos de espanhol, já podia entender a maioria quando falavam. Todas as pessoas eram muito amáveis, tinham muita paciência de repetir e explicar-me uma e outra vez e de escutar o meu “portunhol”. E, a pouco e pouco, consegui dar-me a conhecer e eles também.
A D. Arminda é a senhora mais simpática da Fundação e tem 99 anos. Incrível! Ela sempre me sorriu e disse-me todos os dias para não sair de Portugal. Todos os dias depois do almoço íamos ao bar. Estou ansiosa para participar na sua festa dos 100 anos.
A D. Cacilda tem 83 anos, mas parece uma senhora de 63 anos. A sua cor favorita é o rosa e usa sempre algo desta cor, como uma camisola, um lenço, uma pregadeira e, claro, as unhas.
Convidou-me para ir à sua casa de Cascais no primeiro fim-de-semana da minha viagem. Fomos à Boca do Inferno e comemos peixe muito fresco num restaurante. Senti a sua hospitalidade muito afetuosa.
Ao mesmo tempo, ela contou-me sobre o desinteresse dos turistas em alugarem uma casa de férias em Portugal. Porque há cada vez mais turistas que preferem morar em hotéis e albergues, e é cada vez mais difícil para os proprietários de casas de férias como a D. Cacilda conseguirem alugá-las.
O aluguer gera a principal renda dos idosos e assim tudo se torna um pouco complicado. Mas a D. Cacilda é uma senhora muito independente e forte. Segundo a sua história, que me contou, estou certa de que haverá uma solução para ela.
A D. Madalena e o Sr. Paulino são um casal e muito bons amigos. O Sr. Paulino gosta de cantar e canta muito bem. No entanto, preocupo-me um pouco com eles. O Paulino é cego e a Madalena sofre de uma doença que a deixa dependente de uma máquina de oxigénio para respirar. A principal atividade de ambos era ficarem na sala. Não gostavam muito de se mexer.
A D. Lourdes é uma das pessoas que fala muito bem inglês na Fundação. Ela costumava mostrar-me fotos antigas e falava sobre a história da sua família.
É uma senhora muito elegante, fala com voz suave, tem um bom sentido de humor e é o tipo de pessoa que nos dá gosto continuar a conversar sem perceber o tempo a passar. Às vezes ficávamos a conversar horas, só interrompendo para ir à casa de banho.
A Fundação está cheia de pessoas magníficas, mas entre todas, a pessoa que mais que surpreendeu e que tenho mais carinho é o Sr. João Sardinha.
O Sr. João tem 72 anos e perdeu a visão há 19 anos. Foi um engenheiro eletrotécnico. Tinha grande paixão pelo que fazia, mas o próprio trabalho roubou-lhe a visão. É uma pessoa muito inteligente, fala fluentemente inglês, francês e espanhol. Está apaixonado pela vida. Frequenta aulas de viola, dança e inglês todas as semanas.
Ele gosta de fado, por isso uma noite fomos à Casa Museu Amália Rodrigues escutar o fado ao vivo. Tem um mapa mental de Lisboa e cada dia íamos a diferentes cafés provar vários tipos de sobremesas portuguesas ou apenas para tomar café e conversar. Outras vezes íamos tomar um vinho do porto à noite.
Nunca precisávamos consultar o Google Maps. Ele sempre sabia onde estávamos, conhecia cada rua, cada semáforo, cada bar e a melhor comida de cada restaurante. Além disso, partilhávamos o mesmo interesse musical. Na verdade, acho que a nossa amizade começou pela música. Na primeira semana, ainda não conhecia o Sr. João porque mal o via. Só via um homem diferente dos outros quando atravessava o corredor. Muito cavalheiro, muito triste, não muito extrovertido, mas parecia uma pessoa com muitas coisas para contar.
Foi um dia depois do almoço, quando ajudava a retirar as decorações de natal, que o Sr. João passou por nós e decidi abordá-lo e conhecê-lo. Fomos a um passeio e no regresso acompanhei-o ao quarto.
Coloquei a música da coleção do meu telemóvel e o Sr. João gostava de todas as que eu gosto, como Frank Sinatra, Jin Reeves, Giacomo Puccini e, o seu favorito, Pavarotti e muitos outros. Disfrutamos de uma tarde incrível.
Estou muito surpresa por encontrar um senhor que partilha dos mesmos gostos musicais que eu, no entanto, também tenho pena de só o ter conhecido na segunda semana.
Desde então, todos os dias estivemos juntos. Fomos a todos os parques próximos, especialmente ao parque Jardim da Estrela, o nosso favorito. Íamos lá verificar se a senhora que vendia castanhas lá estava.
Fomos a Alfama, apesar de todas as escadas e colinas que precisávamos subir.
Passeamos devagar, lendo os nomes das ruas para o relembrar. Fomos ao Castelo, ao Chiado e ao Bairro Alto. Quando estávamos cansados, parávamos num café para descansar um pouco. As três semanas passaram muito rapidamente.
“Quão felizes nos sentíamos quando estávamos juntos, quanta tristeza nos atacava na hora de despedida.”
Falámos sobre o futuro do Sr. João, porque obviamente ele pertence ao seu lugar, sua própria casa, com amigos como ele, com muita música e boas paisagens para desfrutar. Porque o Sr. João tem a capacidade de viver sozinho. O que lhe faz falta não é a assistência, mas o ambiente que lhe permite viver da forma que gosta.
Por fim agradeço à Fundação, que tanta sorte tive em conhecer, assim como a todas as pessoas com quem convivi.
1218visitas total,1visitas hoje